Em terras de gente envelhecida, todos os cuidados são poucos para prolongar a vida dos que ficaram.
É certo que estas ilhas possuem uma qualidade de vida assinalada por instituições externas. Essa apreciação deve ter-se apenas nas excelentes qualidades ambientais e não envolver os cuidados de saúde primários e diferenciados. Neste parâmetro de análise as lacunas são consideráveis.
Em pelo menos seis das nove ilhas, os residentes não dispõem dos tratamentos disponíveis nos hospitais. Para tal, necessitam de recorrer às suas poupanças, suportando os custos das viagens e estadia, situações que não suportam os habitantes de São Miguel, Terceira e Faial.
Há, portanto, que olhar de forma diferente para as outras ilhas, mitigando o mais possível esses constrangimentos e disponibilizando cuidados diferenciados que respondam às necessidades da população envelhecida.
Neste sentido, impõe-se que a ilha do Pico, com índices de envelhecimento preocupantes, tenha um tratamento diferenciado.
Dada a dimensão da ilha, as políticas públicas e privadas devem orientar-se para a dispersão dos investimentos, aproveitando os espaços rurais e as dinâmicas culturais que afirmam as identidades de cada localidade.
A formação de um único polo urbano, comporta inconvenientes que a boa economia e a gestão do território reconhecem; para além de descaracterizar a vivência picoense gerará a desertificação da ilha, com todos os malefícios sociais e ambientais que tal acarreta.
Estas considerações também se aplicam à saúde, bem fundamental a que qualquer cidadão tem direito.
A abertura do novo centro de saúde da Madalena não pode nem deve constituir razão para ali concentrar o serviço de urgência noturno.
Há metade da ilha que fica prejudicada, porque as distâncias são demasiadas (entre 30 a 50 kms), as viaturas de transporte dos bombeiros estão sedeados nas Lajes e em São Roque, a pelo menos 20 kms dessas povoações, e, em casos urgentes, todo o tempo é pouco para salvar uma vida.
Por outro lado, em que situação ficarão os doentes internados nos Centros de saúde de Lajes e São Roque, caso se agrave a sua situação clínica? Morrerão à mingua? Serão acompanhados pelo único enfermeiro de serviço? E os restantes doentes?
Nas Lajes do Pico, presentemente, o serviço de análises clínicas só tem colheita de sangue. Os exames laboratoriais são efetuados na Madalena, por pessoal dali deslocado, diariamente. Caso a situação seja urgente, o doente é encaminhado para a Horta, sujeito às condicionantes do mar, da distância da família e de outros constrangimentos que só quem passa por eles conhece. (No verão passado um familiar meu foi enviado para o Hospital da Horta, apenas para fazer o curativo em gesso de uma fratura detetada nas Lajes, logo de manhã. Com viagens por mar e por terra, desde a Ponta da Ilha, passámos o dia nesses “trabalhos”, percorrendo, só no Pico, cerca de 150 kms.)
Há uns anos, o governo de então construiu um novo Centro de saúde de São Roque e pretendia lá concentrar alguns serviços pois ficava equidistante de todos os pontos da ilha. A intenção, porém, não passou disso e nunca razões houve a justificá-lo. Chegou até a adquirir-se equipamento informático destinado a instalar o serviço de telemedicina, mas as máquinas nunca foram sequer desencaixotadas.
A Unidade de Saúde do Pico não disponibiliza aos utentes consultas diárias de especialidade. Se o médico de família reconhece essa necessidade, manda o doente ao Hospital da Horta que, só em casos muito urgentes o envia a Ponta Delgada. Mesmo para uma simples consulta de cardiologia, neurocirurgia, estomatologia, etc. os doentes mais idosos do Pico têm de deslocar-se ao Faial, ou aguardar que algum médico venha à ilha para medicina privada. Há, portanto, uma discriminação intolerável que não pode continuar, por mais tempo.
Uma das soluções mais eficientes e rápidas seria a telemedicina, já existentes noutros centros de saúde da região, com bons resultados.
Outra, será dotar a Unidade de Saúde de Ilha de médicos especialistas: medicina interna e cardiologia, por exemplo, que façam com que os picoenses tenham a segurança e estabilidade necessária para lá viver.
E não se diga que não se justifica dotar o Pico com mais valências, temendo motivações corporativas dos médicos, quando estes comprovam no exercício da medicina privada, as falhas do serviço público; nem se invoquem razões financeiras para mudar o que está mal.
A saúde é um bem precioso, “tendencialmente gratuito” que compete ao governo dos Açores implementar. Pois se há para os “complementos”, por que não dotá-la também dos meios financeiros e humanos necessários para que todos tenham acesso equitativo a esse direito?
P.S. Não manifestei esta opinião aquando do debate público, porque julgava que estava salvaguardada. Pelos vistos, enganei-me. Há que defender, com mais veemência, os direitos dos picoenses aos cuidados de saúde primários e diferenciados.
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